30 de mai. de 2012

O FRACASSO DO ENSINO PÚBLICO NA CALADA DA NOITE

Os olhos marejados da Professora de sociologia Maria Teresa Mendes Ciambarella, de 60 anos, respondem bem a uma pergunta sobre o que pensa a respeito de lecionar no Colégio Estadual Professor Augusto Motta, na Penha Circular, Zona Norte do Rio. A Escola é uma das 104 da rede pública carioca que, no ano passado, não conseguiram aprovar de ano sequer a metade de seus Alunos matriculados no Ensino médio, segundo levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). O número corresponde a pouco mais de um terço (37%) das 283 unidades da cidade.

- Dou aulas há 38 anos na rede pública e o que vejo aqui é um retrato do abandono pedagógico. Não há respeito com o Professor - define Maria Teresa.

O Colégio Professor Augusto Motta foi o terceiro que menos aprovou no ano passado na capital fluminense: apenas 25,7% dos Alunos matriculados no Ensino médio passaram de ano, de acordo com os dados do Inep. No 1 ano, por exemplo, o número consegue ser ainda mais assustador: só 18,7% conseguiram a aprovação. A unidade da Penha Circular retrata bem aquele que parece ser o grande calcanhar de Aquiles da rede estadual: Escolas que funcionam à noite e nem prédio próprio têm. Ocupam instalações da prefeitura do Rio, projetadas para atender aos Alunos de Ensino fundamental.
- Hoje (quarta-feira passada), fiz metade do meu planejamento de aula no banheiro e metade no refeitório porque a gente não tem sala de Professor - completa a Docente do Professor Augusto Motta.

Das 20 piores, 19 são noturnas

Das 104 Escolas estaduais do Rio que não conseguem aprovar metade de seus Alunos do Ensino médio, 70 (67%) funcionam no período noturno em prédios que são do município. Das 20 piores no ano passado, apenas uma não se enquadra nesse perfil.
- É um problema histórico que temos na Região Metropolitana. Nessas Escolas à noite, os Alunos geralmente aparecem só em época de provas. A partir do início de setembro, de outubro, quando vai chegando a época de festas, há um esvaziamento ainda mais perigoso de jovens que saem para trabalhar e não voltam mais. É uma luta diária conseguir manter esse estudante dentro da Escola - comenta Alan Figueiredo Marques, diretor administrativo da Regional da Zona Norte do Rio, da Secretaria estadual de Educação.

Na última quarta-feira, quando o GLOBO esteve na Professor Augusto Motta, não se ouvia o burburinho típico de uma Escola cheia. Por motivos de saúde, quatro Professores haviam faltado. O turno deveria começar às 18h e terminar depois de 22h30m para suas nove turmas de Ensino médio regular. Mas poucos estudantes resistiram nas salas. Às 21h, depois que foi servido o jantar, praticamente ninguém ficou.
- São Alunos muito carentes, de situação econômica muito desfavorável. Ano passado, não tínhamos comida quente para oferecer. Essa mudança já está melhorando o índice de comparecimento. Também estamos fazendo um trabalho de visitação nas casas para saber os motivos da evasão - defende-se a diretora Maria José da Silva Bezerra Sá, que na quarta chegou à Escola pouco depois de 20h.

Na Escola que teve o pior índice de aprovação no Rio (15,2%), o Colégio Estadual Marechal Estevão Leitão de Carvalho, no Engenho da Rainha, nem o jantar serve de motivação. Como a unidade não tem uma dispensa adequada para o depósito de alimentos, não há como fornecer a merenda quente. Na última terça-feira, biscoitos e laranjas eram o que havia no cardápio. A direção da Escola espera concluir nos próximos meses uma reforma para começar a fornecer uma alimentação mais consistente.
- Aqui, a gente não tem nada de muito atrativo. Contamos apenas com a vontade do Aluno de estudar - admite a diretora da Escola, Rose Léa Silva Dias.

A unidade é nova, e os 15,2% são referentes à única turma de Ensino médio regular que o colégio possuía em 2011. A diretora questiona o número. Diz que, de 50 matriculados no início do ano, 11 (22%) foram aprovados:
- Estamos cercados por oito comunidades que não foram pacificadas. Já houve um dia, no ano passado, em que olhamos para o muro da Escola e havia aquela luz vermelha, da mira laser de uma arma. O Caveirão (blindado da PM) já ficou várias vezes aqui na porta. Nesses dias, é ainda mais difícil ter Alunos que venham - ela diz.

A diretora admite que muitos jovens só frequentam a Escola nas duas primeiras semanas ou no primeiro mês de aula:
- Há aqueles que só querem pegar o RioCard (gratuidade no transporte).

Na última terça-feira, dois ex-Alunos do 1 ano do Ensino médio em 2011 estavam na Marechal Estevão Leitão de Carvalho. Novamente, numa sala de 1 ano. Com cara de menina, Andressa Francisco da Silva, de 18 anos, conta que decidiu largar o emprego para se dedicar aos estudos. A decisão, no entanto, ainda é motivo de forte discussão familiar.
- Estou conversando com o meu marido para ver o que a gente faz. No primeiro bimestre desse ano, tive de novo notas ruins porque estava trabalhando - comenta a jovem que já é mãe de uma filha de 2 anos de idade.

Um dos Professores de Andressa é o também jovem André Magliari, de 25 anos. Lá, ele leciona português.
- É difícil porque a maioria dos Alunos trabalha. Atividades para casa, por exemplo, tenho que evitar. Mas ainda acredito que é possível - diz o Professor.

Normalistas no topo do ranking

Com 94,8%, o Colégio Estadual José Leite Lopes, na Tijuca, foi o que mais aprovou na rede estadual no ano passado. A Escola ganhou o nome de Núcleo Avançado em Educação (Nave), após o governo estabelecer uma parceria com a operadora de telefonia Oi. Em segundo lugar (94,3%), ficou o Colégio Erich Walter Heine, em Santa Cruz, construído com o apoio da siderúrgica ThyssenKrupp. Entre as de melhor desempenho (87,2% de aprovação), uma boa surpresa foi o Colégio Estadual Professor José Accioli, em Marechal Hermes. A unidade oferece o curso normal médio, de formação de Docentes. Sem grandes fórmulas mágicas, seu forte está mesmo nos profissionais.
- Acho que nosso grande diferencial é o Professor. E uma gestão participativa - destaca a Professora Kátia Gil.

Também Professora da Escola, Ana Maria Barros da Silva completa:
- Ninguém vem para cá só para cumprir horário.

O Colégio Professor José Accioli funciona em horário integral já que recentemente o Ensino normal de quatro anos foi reduzido para três. Também tem suas dificuldades, já que somente nas próximas semanas terá uma cozinha pronta para servir refeições. O improviso das quentinhas no micro-ondas, porém, não tem prejudicado o desempenho dos Alunos. Na verdade, das alunas, com poucas exceções.
- Temos alguns meninos, sim. E muito bons! - garante a diretora Maria Eduarda Marques Rodrigues.

Para tentar fazer com que casos como o do Colégio Professor José Accioli não sejam raridade, a secretaria estadual de Educação promove um processo de reformulação que passa pela mudança de gestores - foram trocados cerca de 500 diretores e adjuntos em 2011 -, além da própria reavaliação do compartilhamento de prédios com a prefeitura. Um novo contrato de parceria já foi assinado para que o uso das instalações seja permitido integralmente.
- Também estamos levantando imóveis para a criação de novas unidades. Este ano, estamos preparando uma nova metodologia de Educação de Jovens e Adultos (antigo supletivo). Queremos que seja atraente para o Aluno que estuda à noite, com qualidade e flexibilidade - afirma o subsecretário Antônio Neto.

Em Nova York, uma solução radical

O que fazer com Escolas com altos índices de fracasso Escolar? Em Nova York, a solução adotada pelo ex-prefeito Michael Bloomberg quando assumiu seu mandato em 2002 e iniciou uma ousada reforma educacional, foi radical: fechá-las.

Quase cem unidades da rede de Nova York já tiveram esse destino por terem registrado sucessivos resultados ruins em avaliações feitas pela prefeitura. Antes de decretar o fechamento, no entanto, a secretaria de Educação tenta oferecer apoio para a equipe reverter a situação.

Quando não conseguem, o destino dessas Escolas com altos índices de evasão e baixo aprendizado é mesmo o fechamento. Troca-se toda a equipe da Escola e, no mesmo local onde funcionava a unidade, às vezes são criadas duas ou três novas, com diretores e Professores totalmente diferentes. A prefeitura argumenta que as novas Escolas têm tido, na maioria dos casos, melhores resultados do que as antigas.

A medida, no entanto, é polêmica. Muitas das Escolas sob o risco de fechar conseguiram evitar tal destino por pressão dos pais e Alunos. Há relatos de equipes que realmente se esforçaram para melhorar, mas não obtiveram os resultados desejados. Outra crítica à política é que ela acaba por criar um clima de tensão nas Escolas sob o risco de serem classificadas como fracassadas. Em vez de a equipe se unir, diretores e Professores entram em conflito, jogando a culpa uns nos outros.

http://oglobo.globo.com/

Fonte: O Globo

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