Post de Mariza Abreu
Na semana passada, a imprensa noticiou que o MEC obteve liminar, na 13ª Vara Federal Cível de São Paulo, para não ser obrigado a recolher o livro didático "Por Uma Vida Melhor", distribuído a escolas públicas de educação de jovens e adultos em todo o país, que inclui frases como “os menino pega o peixe” num de seus capítulos. Esse livro gerou polêmica: de um lado, aqueles que entendem que o registro escrito desse tipo de frase induz a aceitação do uso da norma popular em qualquer contexto e, de outro lado, especialistas que fundamentaram a decisão judicial com pareceres técnicos, segundo os quais o livro não é inadequado ao ensino de jovens.
Para além dessa discussão, aproveito a ocasião para trazer ao debate o posicionamento sobre a questão da linguagem utilizada em sala de aula apresentado por Doug Lemov no livro "Aula Nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência", publicado no Brasil em 2011, pela Editora Da Boa Prova, com patrocínio da Fundação Lemann, tradução de Leda Beck, e consultoria e revisão técnica de Guiomar Namo de Mello e Paula Louzano.
Em primeiro lugar, uma palavra sobre Doug Lemov e seu livro. A partir da compreensão de que "a qualidade de um sistema educativo é igual à qualidade de seus docentes", do relatório da consultoria McKinsey, em 2008, intensificaram-se estudos sobre o que é um bom professor, especialmente nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, ao procurar bons professores para a rede de escolas que dirigia, Lemov notou que, nos professores mais bem-sucedidos, aquilo que parecia um dom natural era frequentemente uma técnica deliberada. Em sua paixão, o futebol, lembrou que, se os companheiros de time queriam que ele jogasse melhor não diziam apenas “melhore”; diziam “aperte a marcação” ou “feche o espaço”. Lemov decidiu, então, buscar bons professores e aprender com eles. A seleção foi feita com base nos resultados dos alunos nas avaliações externas, considerado o nível de pobreza da escola. A partir daí, Lemov identificou e entrevistou professores, filmou aulas, e construiu as 49 técnicas apresentadas no livro, todas dependentes da leitura do ponto de vista do aluno e todas podendo ser adaptadas por cada professor. Pois a Técnica nº 4 de Doug Lemov chama-se Boa Expressão. Vejam o que ele diz sobre isso:
"Na escola, o meio é a mensagem: para serem bem-sucedidos, os alunos precisam expressar seu conhecimento de várias formas, sempre de maneira clara e eficiente, atendendo à demanda da situação ou mesmo da sociedade. O que conta não é o que os alunos dizem, mas como eles comunicam o que sabem. A sentença completa é a arma que derruba a porta para a aprendizagem efetiva. As redações necessárias para entrar na faculdade (e todo trabalho escrito no curso superior) demandam sintaxe fluente. As entrevistas para emprego requerem concordância entre o sujeito e o verbo. Use Boa Expressão para preparar seus alunos para o sucesso, exigindo sentenças completas e gramática proficiente sempre que puder.
Boa gramática. Sim, você deve corrigir gíria, uso de sintaxe e gramática na classe, mesmo que acredite que a divergência da norma culta é aceitável – até normal em algumas circunstâncias – ou mesmo que o uso inadequado se enquadre no dialeto do aluno. Mais precisamente, corrija mesmo que você acredite que a expressão é normal dentro do que você acha que é o dialeto do aluno. Na verdade, pode ser que você não saiba como a família ou a comunidade de um aluno falam ou o que elas vêem como normal e aceitável. E há casos de jovens que adotam dialetos ou resolvem falar de um jeito diferente de como seus pais falam ou querem que os filhos falem.
Para explicar o vasto discurso sociológico sobre o que é a norma culta – se é a única forma certa de linguagem ou mesmo se está de fato correto –, professores exemplares aceitam uma premissa muito limitada, mas prática: é a "linguagem da oportunidade", o código que indica preparo e proficiência para uma audiência – a mais ampla possível. É o código que revela facilidade com as formas da linguagem em que se trabalha, se estuda e se fazem negócios. Nessa linguagem, sujeitos e verbos concordam, o uso é tradicional e as regras são estudadas e respeitadas. Se os alunos quiserem usar a "linguagem da oportunidade" só na escola, tudo bem. Diga o que quiser a seus alunos sobre o modo como eles falam fora da sala de aula. Mas uma das maneiras mais rápidas de ajudar seus alunos é tomar a firme decisão de os preparar para competir por empregos e por vagas nas universidades, pedindo-lhes que corrijam sua linguagem em classe. Pode haver um lugar e uma hora para discutir com eles o discurso sociológico mais amplo da formas dialetais – em que circunstâncias pode ser aceitável usar o dialeto, quem determina o que está certo, quanta subjetividade há nessa determinação, quais são as implicações mais amplas de alternar códigos e assim por diante."
Pragmático, não?! Cada um de nós utiliza mais de uma linguagem no seu cotidiano. O jeito como falamos em casa, ou na conversa informal com os amigos, não é o mesmo que utilizamos numa entrevista ou numa palestra. E essa "passagem" se faz naturalmente, da mesma forma como se anda de bicicleta ou dirige um automóvel. Entretanto, será que um jovem que, depois de freqüentar a escola, continuar falando apenas do jeito que aprendeu na sua família ou na comunidade, que continuar sabendo apenas falar “os menino pega o peixe”, conseguirá emprego, por exemplo, como garçom ou frentista no país da Copa e das Olimpíadas?! Isso sem falar do seu direito de vir também a pleitear o ingresso num curso superior. Afinal, qual dessas atitudes na escola promove inclusão social, oportunizando melhores condições de vida aos setores populares?
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