Apresentada pelo governo Tarso, a proposta de cronograma de pagamento do piso nacional ao magistério gaúcho é uma enganação.
O cronograma de reajustes do magistério para os dois próximos anos é a confissão do governo Tarso de que definitivamente não pagará o piso nacional ao magistério, em descumprimento da lei que o governador assinou como Ministro da Justiça e que, depois, no Piratini, pretendeu retirar-se da condição de autor da Ação direta de inconstitucionalidade movida pela ex-governadora Yeda e mais quatro governadores, três do PMDB e um do PSB.
Pior do que isso: a proposta é construída para gerar interpretação equivocada. Em bom português, para confundir e manipular a opinião das pessoas. E parte da mídia apenas reproduz o que o governo afirma, sem análise nem crítica.
1. O governo afirma que o reajuste do magistério será de 76,68%. Número construído para enganar a opinião pública, pois resultante de todos os reajustes nos quatro anos desse governo: os 10,1% já pagos em maio de 2011, os três percentuais já constantes no projeto de lei em tramitação na Assembleia (para maio e novembro de 2012 e fevereiro de 2013), e outros três a serem pagos nos próximos anos, o último em novembro de 2014, a dois meses do encerramento do atual governo.
2. Lembre-se que os 10,91% de 2011 correspondem à incorporação do valor de metade da parcela autônoma, paga aos professores desde o governo Collares, depois da correção do valor dessa parcela pela aplicação dos reajustes da Lei Britto, de 1995 e 1996. Quando o governo Tarso paga a Lei Britto é reajuste, quando o governo Yeda fez o mesmo, com quatro parcelas de 5,82% de 2008 a 2010, não vale como reajuste dos vencimentos do magistério. É demais ouvir o chefe da Casa Civil afirmar que o governo do PSDB reajustou os salários do magistério em apenas 6%! Em relação ao governo do PSDB, o governo do PT é igual ao Cpers.
3. O cronograma do governo do PT trabalha com dois dados fora da lei: considera o valor de R$ 1.187 do piso de 2011 em 2012 e reajusta esse valor pelo INPC em 2012, 2013 e 2014. A Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, repetindo, assinada por Tarso Genro, dispõe que (art. 5º, caput e par. único) o piso nacional do magistério será atualizado anualmente, no mês de janeiro, utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor mínimo anual por aluno referente aos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano, definido nacionalmente, do Fundeb.
4. Exatamente uma semana depois de sancionar a lei do piso, o ex-presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.776, de 23 de julho de 2008, para adotar o INPC como critério de reajuste do piso. Se era para desfazer, por que fez? Ou seja, por que o ex-presidente não vetou esse dispositivo da lei, como procedeu com outros dispositivos? Se o critério de reajuste fosse uma lacuna na lei, o Congresso teria que já ter resolvido essa questão.
Mas não. Até agora o PL 3.776/08 continua em tramitação. No Senado, por pressão dos sindicalistas do magistério, foi aprovado um Substitutivo que mantém a variação do valor nacional anual por aluno dos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano do Fundeb e, para tornar possível a aplicação do valor efetivamente realizado no ano anterior, e não de projeções, transfere o reajuste do piso de janeiro para maio. Alterado no Senado, o PL 3.776/08 voltou para a Câmara dos Deputados que, pelo regimento do legislativo, deve ou manter o texto original do ex-presidente Lula ou aceitar o Substitutivo aprovado pelos senadores.
Apreciado nas comissões permanentes da Câmara, por três delas foi aceito o Substitutivo, mas na última, justamente a Comissão de Finanças e Tributação que deve avaliar a adequação financeira dos projetos de lei, foi aprovado em 23 de novembro de 2011 parecer do Dep. José Guimarães do PT/CE pela rejeição do Substitutivo do Senado e manutenção do PL do Executivo. Como resultado das posições divergentes das comissões da Câmara, caberá ao plenário decidir qual dos dois textos irá à sanção da presidente Dilma.
Em resposta a isso, o movimento sindical dos professores articulou com o ex-ministro Haddad e a ministra Ideli Salvatti (ex-presidente do sindicato de professores de SC), junto à presidente da república, a não votação do PL 3.776/08 em 2011 e, portanto, a manutenção do texto original da Lei nº 11.738/08 para o reajuste do piso em 2012. O governo Tarso não sabe disso? Não há chance do reajuste deste ano ser pelo INPC, pois, como afirmou o ex-ministro Haddad, a lei é auto-aplicável.
Para os próximos anos, no governo Tarso, os anos de 2013 e 2014, é que ainda está em aberto qual será o critério de reajuste do piso: se o valor aluno/ano do Fundeb ou o INPC.
5. Também é surpreendente saber da afirmação do chefe da Casa Civil que "o Ministério da Educação não pode intervir no salário dos servidores do RS" e, sobre a obrigatoriedade dos estados brasileiros em pagar o Piso nacional do magistério utilizando o índice do Fundeb, que "a portaria do MEC não é vinculante" (CP, 25 de fevereiro).
Exatamente por entendermos assim é que o nosso governo questionou a constitucionalidade do piso nacional dos professores como vencimento inicial das carreiras. E, sendo a lei constitucional, como declarou o Supremo Tribunal Federal e como afirma concordar o governo Tarso (tanto, repetimos, que pretendeu se retirar de autor da ação direta de inconstitucionalidade), vinculante é a portaria do MEC por meio da qual o governo da União está apenas e tão somente aplicando a lei do piso.
É melhor o governo Tarso definir-se: afinal, considera ou não a lei constitucional? E mais: a estas alturas, não importa mais a nossa opinião, do nosso governo ou do governo do PT. Uma vez declarada pelo STF a constitucionalidade do piso como vencimento básico da carreira, trata-se de imediatamente cumprir a lei. Está cada vez mais claro que a promessa da campanha era falsa, que o governo do PT contava com a declaração de inconstitucionalidade e, ao mesmo tempo, debitaria a "culpa" ao governo do PSDB, mas não teria urgência do pagamento do piso aos professores estaduais.
6. O não pagamento do piso, além de gerar tensão permanente com o Cpers e o magistério, tem dois efeitos perversos: primeiro, prejudica os professores que recebem remunerações menores, justamente a quem o piso pretende beneficiar, e gera passivos insustentáveis para o governo do Estado, em prejuízo não só do magistério, mas também do conjunto da população do RS.
7. A proposta de reajuste para o magistério apresentada pelo governo sempre faz a comparação do atual vencimento básico com os novos valores reajustados, mas omite duas informações: a diferença que continuará existindo entre o vencimento básico dos professores estaduais e o piso nacional e, em conseqüência, o passivo que está se gerando.
8. Na tabela a seguir, apresentamos a diferença entre piso e vencimento básico, num cenário positivo para o governo: o reajuste do piso pelo INPC em 2013 e 2014, pressupondo que a Câmara aprovará o texto original do PL 3.766, de 2008, seguindo a orientação de governadores e prefeitos e derrotando o movimento sindical dos professores.
Reajuste
piso
|
Valor
piso
|
Reajuste
básico
|
Valor
básico
|
Diferença
|
||
Jan/2009
|
--
|
950,00
|
--
|
--
|
--
|
--
|
Jan/2010
|
7,86%
|
1.024,67
|
--
|
640,64
|
384,03
|
59,94%
|
Jan/ 2011
|
15,88%
|
1.187,39
|
--
|
713,24
|
474,13
|
66,48%
|
Maio/2011
|
--
|
1.187,39
|
10,91%
|
791,06
|
396,29
|
50,09%
|
Jan/2012
|
22,19%
|
1.450,87
|
--
|
791,06
|
659,79
|
83,40%
|
Maio/2012
|
--
|
1.450,87
|
9,84%
|
868,90
|
581,96
|
66,98%
|
Nov/2012
|
--
|
1.450,87
|
6,08%
|
921,73
|
529,13
|
57,41%
|
Jan/2013
|
6,00%
|
1.537,92
|
--
|
921,73
|
616,19
|
66,85%
|
Fev/2013
|
--
|
1.537,92
|
6,00%
|
977,03
|
560,89
|
57,41%
|
Nov/2013
|
--
|
1.537,92
|
6,50%
|
1.040,54
|
497,38
|
47,80%
|
Jan/2014
|
6,50%
|
1.637,88
|
--
|
1.040,54
|
597,34
|
57,41%
|
Maio/2014
|
--
|
1.637,88
|
6,50%
|
1.108,18
|
529,70
|
47,79%
|
Nov/2014
|
--
|
1.637,88
|
13,72%
|
1.260,22
|
377,66
|
29,96%
|
Acumulado 2011/14
|
59,85%
|
--
|
76,68%
|
--
|
--
|
--
|
9. Com base
nesses dados, pode-se estimar a dívida do governo do Estado pelo não pagamento
do piso nacional ao magistério. Pelo acórdão do STF publicado em 24 de agosto
de 2011, o piso como vencimento inicial é devido a partir de janeiro de 2010,
conforme disposto na Lei nº 11.738, de 2008. Entretanto, considerando os
embargos declaratórios dos governos de SC, MS e CE, que reivindicam a vigência plena
da lei a partir do julgamento do mérito na ADI 4.167/08, novamente o melhor
cenário para o governo do Estado é que a dívida tenha começado em setembro de
2011.
Com esses dois
dados – reajuste pelo INPC nos dois últimos anos do atual governo e dívida
calculada a partir de setembro/2011 –, o economista Darcy Francisco Carvalho
dos Santos projetou o valor acumulado como passivo pelo governo Tarso ao não cumprir
a lei do piso nacional dos professores.
Projeção do
passivo do Estado pelo não pagamento do piso nacional (em R$ 1.000,00)
Folha do magistério com valor do piso
nacional
|
Folha do magistério com valor do venc.
básico
|
Diferença
(dívida do Estado)
|
|
2011 (set/dez)
|
1.935.000
|
1.350.000
|
585.000
|
2012
|
5.031.000
|
3.803.206
|
1.227.794
|
2013
|
5.332.860
|
4.151.138
|
1.181.722
|
2014
|
5.679.496
|
4.698.501
|
980.995
|
Acumulado
|
17.978.356
|
14.002.845
|
3.975.511
|
Considerando
que, segundo o próprio governo Tarso, a dívida do Estado com
precatórios alcançava
o valor de R$ 4.953.745.088,69 em 2011, o não
pagamento do piso nacional dos professores na melhor das hipóteses aumentará em
80% o passivo do RS.
Em síntese:
O cronograma para
pagamento do piso nacional aos professores, apresentado pelo governo Tarso, não
paga o piso. Em consequência, aumenta consideravelmente a dívida do governo do
Estado, podendo comprometer a capacidade de investimento do RS
irremediavelmente no futuro imediato.
O
governo Tarso está numa encruzilhada, pois é impossível cumprir a promessa da
campanha de pagar o piso sem mudar a carreira do magistério: ou não cumpre o
piso, mas mantém o plano de carreira, ou paga o piso, e para isso promove a
adequação do plano de carreira prevista na lei do piso nacional.
*Ex-secretária da Educação do Rio Grande do Sul
realmente os professores acreditaram em tarso e hoje adecepção é grande isto quem diz é quem apostou nele pt no rs nunca mais
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