11 de jan. de 2012

Entrevista de Mariza Abreu para o blog Videversus

Ex-secretária fala sobre as 
dificuldades que o governo
do RS enfrenta para pagar
o piso nacional do magistério
Diante do anúncio de que o governo Dilma vai reajustar o Piso Salarial Nacional do magistério em 22% (salário básico nacional pulará de R$ 1.187,00 para R$ 1.450,00, a ex-secretária da Educação do Rio Grande do Sul, Mariza Abreu, avisa: "Para o governo do Tarso Genro é um desastre. Em janeiro de 2011, a diferença entre o piso nacional e o vencimento básico do Estado era de 66.6%. Com o reajuste de 10,9%, concedido em maio aos professores, essa diferença caiu para 51%. Mas, agora será de mais de 80%. Por isso, já afirmei que pagar o piso nacional nesta carreira (plano de carreira do magistério gaúcho) é como a linha do horizonte para o governo Tarso". Videversus entrevistou Mariza Abreu, que torna muito claras as questões envolvendo a educação pública gaúcha.

Videversus - Qual a saída para o Tarso Genro nessa situação?
Mariza Abreu - Na real mesmo, mudar essa lei federal, deixando claro que o piso salarial é remuneração mínima, e não vencimento inicial das carreiras, pois isso é que indexa a folha de pagamento.

Videversus - Você acha que ele teria coragem de propor tal coisa?
Mariza Abreu - Aqui no Rio Grande do Sul não tem jeito, tem que mudar o plano de carreira, como já fez a ampla maioria dos Estados que não pagavam o piso salarial nacional. Esses Estados estão mudando seus planos de carreira. A imprensa tem noticiado que integrantes do governo petista gaúcho, que antes defendiam o plano de carreira do magistério, agora já acham que é preciso mudá-lo.

Videversus - Ou muda o plano de carreira ou quebra o Rio Grande do Sul, pois vai engordar a conta dos precatórios. Qual o nível de urgência para essa questão ser resolvida?
Mariza Abreu - Às vezes, acho que esse governo petista é tão demagógico que é capaz de levar assim até 2014, pagar de qualquer jeito, para tentar a reeleição, e então em um hipotético segundo governo teria a coragem para mudar a carreira. A urgência é para ontem. A decisão de constitucionalidade da lei do piso salarial nacional pelo Supremo Tribunal Federal foi em abril e o acórdão, publicado em agosto de 2011. Teoricamente, o piso vale como vencimento inicial retroativamente a janeiro de 2010. Mas, quatro Estados - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Ceará - entraram com embargos declaratórios (recurso) na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade para modulação da decisão. Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Ceará solicitam que a decisão de mérito (constitucionalidade) do Supremo tenha vigência a partir de então, sem retroagir. Entendo que isso é correto. Mesmo assim, desde no mínimo agosto de 2011, a dívida está se acumulando.

Videversus - Portanto, está valendo a lei e correndo a passos largos o aumento de dívida do Estado para com os professores?
Mariza Abreu - Na melhor das hipóteses, desde no mínimo agosto de 2011, a dívida está se acumulando. A diferença é de 1,7 bilhão de reais em uma folha de 3,9 bilhões da Secretaria de Educação do Estado. O governo do PT do Rio Grande do Sul pediu prazo de um ano e meio para integralização do piso a contar do julgamento de mérito. E olhe que o Tarso Genro tinha pedido para sair como um dos autores da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade da lei do piso nacional salarial do magistério, em janeiro de 2011, o que não foi aceito pelo Supremo Tribunal Federal. O Rio Grande do Sul então entrou também com agravo regimental na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e com outra ação cautelar no Supremo. Não há prazo para o Supremo se manifestar nos embargos, e a última movimentação no processo que vi no site do STF foi a Procuradoria Geral da República manifestando-se contra todos os embargos, ou seja, posicionando-se pelo retroatividade do piso como vencimento inicial a janeiro de 2010. Eu até acho uma enorme irresponsabilidade do governo federal do PT. Ao mesmo tempo, o Lula sancionou a lei do piso em 16 de julho de 2008 e, em 23 de julho de 2009, enviou projeto de lei para a Câmara dos Deputados para alterar o critério de reajuste. A área econômica do governo Lula não aceitava o critério da lei, que implicará sempre reajustes reais muito acima da inflação. O Projeto de Lei do Lula propõe o INPC. É uma história muito longa a tramitação desse PL para contar aqui. Se o índice adotado fosse o INPC, o reajuste do piso salarial nacional seria de 6,2%, e não de 22,3%. Que diferença, não?

Videversus - E o que aconteceu?
Mariza Abreu - Pois a Câmara dos Deputados poderia ter votado esse projeto de lei em dezembro, mas o movimento sindicalista pressionou o Ministro Haddad e ele cedeu. Na minha avaliação tudo por causa da candidatura dele à prefeitura de São Paulo, pois assim poderá gerar tensão do sindicato de lá com o governo de Geraldo Alckmin.

Videversus - Então estamos diante de uma situação de petistas federais contra petistas estaduais?
Mariza Abreu - Eu vi o secretário estadual de Educação, José Clóvis de Oliveira, defendendo que a lei tem que ser alterada para adotar-se o INPC para reajuste.

Videversus - E a dívida vai aumentar?
Mariza Abreu - O governo Tarso Genro já anunciou que concederá reajuste ao magistério igual à inflação mais um reajuste real, que deve ficar em torno de 13%.

Videversus - As medidas judiciais adotadas pela Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul são perfumarias. O principal já foi decidido pelo Supremo. Mas o estrondoso montante da dívida que está se formando é um desastre monumental, compromete o futuro do Estado. Você concorda?
Mariza Abreu - Sim, totalmente. E há uma guerra nos bastidores entre o governo do PT e o Cpers. O Cpers sabe que o governo não tem como pagar esse piso no atual plano de carreira, mas quer impedir que o governo mude o plano de carreira até o primeiro professor conquistar o pagamento do piso na atual carreira, pois, por uma questão de isonomia, isso vai tornar muito mais complicado mexer no plano de carreira. E a resposta do Cpers para a falta de dinheiro é simples: não paguem a dívida com a União, não concedam isenções fiscais e não cumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas paguem o magistério. Alguns Estados já pagavam, ou estão pagando mais que o valor do piso nacional nas carreiras vigentes de seus professores. É o caso, por exemplo, de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Outros Estados já alteraram os planos de carreiras, como por exemplo Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Goiás e Sergipe.

Videversus - É uma atitude totalmente irresponsável. Se o governo não pagar a dívida, quebra. Se retirar as isenções fiscais, cria uma crise econômica brutal no Estado. E se descumprir a LRF, é a chegada aos infernos? As respostas do Cpers para a solução da situação são absolutamente irresponsáveis. Ou não?
Mariza Abreu - Mas eles são absolutamente irresponsáveis. São como criança que quer um pirulito. O problema é o governo ser irresponsável também. Em julho de 2008, quando essa lei foi sancionada, como secretária dei uma entrevista afirmando que a lei era inconsequente. Fui muito criticada. Pois bem, a lei era ou não inconsequente? Já se passaram três anos e meio, e a lei ainda não é totalmente cumprida, gera insegurança jurídica, greves etc.

Videversus - De qualquer forma, o PT perdeu o seu discurso nessa novela?
Mariza Abreu - Sim, acho que o governo Tarso Genro perdeu o discurso. Olha que interessante, no governo do PSDB, os outdoors do Cpers não abordavam questões da política educacional. Não houve outdoor contra o saers (sistema de avaliação do ensino do Rio Grande do Sul), ou a mudança nos procedimentos de matrícula, ou o projeto de alfabetização. Mesmo as questões contra as quais eles se opunham, como o corte de ponto na greve, reorganização das turmas, escolas em contêiners, não foram objeto de outdoors. Esses foram direcionados todos contra a governadora Yeda Crusius, contra as supostas irregularidades. Mas, agora, os outdoors do Cpers abordam assuntos da educação. Eu tenho uma hipótese: o Cpers tinha menos respaldo no conjunto dos professores para se contrapor a nós; hoje, grande parcela dos professores está muito contrariada com o governo, pela demagogia em relação ao piso nacional e pela imposição da reforma do ensino médio, por exemplo.

Videversus - Qual é a perspectiva para o primeiro dia de aulas deste ano no Rio Grande do Sul?
Não sei, não. Acho que pode dar um atrapalho. Primeiro, vi na imprensa filas para matrícula, o que não ocorria desde o governo Britto. Segundo, vamos ver como eles administrarão a falta de professores, que é inevitável no início das aulas, do jeito como a rede estadual está organizada. Terceiro, eles mesmo já falaram em retardar o início das aulas por causa da reforma do ensino médio, para capacitação dos professores. E quarto, o governo Tarso terá forçosamente nova negociação salarial, com reajuste anunciado para março.

Videversus - Quais são os principais movimentos dessa guerra de bastidores? Os gaúchos estão completamente ignorantes desses cenários, e ficando aflitos com a proximidade do retorno às aulas?
Mariza Abreu - Não sei... o Cpers colocou seus outdoors em 7 de janeiro de 2012. O anúncio oficial do 22% de reajuste do piso é um dado que vai fazer com que o governo tenha que se posicionar. Em março, deve haver negociação salarial, com a oferta de um índice pelo governo do PT.

Videversus - Como você explica o silêncio de um partido como o PMDB nessa questão, já que foi partido hegemônico na política estadual até recentemente?
Mariza Abreu - Não é só o PMDB, mas também o PP e o PSDB. Pelo menos os três estão insistindo com a necessidade de o governo pagar o piso em cumprimento da lei federal. Porém, acho que tem duas razões para essa pouca ação da oposição. Primeira, a questão da educação é complexa mesmo, não é fácil entendê-la e discutir à altura com quem é do ramo, como as lideranças do magistério e um conjunto de especialistas das universidades, muito corporativos e radicais. Segundo, por isso mesmo, porque tem dificuldade de se contrapor às posições do Cpers. Eles são mesmo terríveis, xingam, vaiam, destratam. É preciso ter clareza, coragem e firmeza de posições.

Videversus - Então o povo gaúcho fica nessa história como o camarão?
Mariza Abreu - É. Acho que numa sociedade hierárquica, vertical e tendencialmente autoritária como a nossa, na prática o Executivo faz a cabeça da opinião pública. No governo Rigotto tomou-se consciência da gravidade do desequilíbrio fiscal, vide Pacto pelo Rio Grande na Assembléia Legislativa e o próprio surgimento da Agenda 2020. Foi nesse clima que a Yeda Crusius pôde vencer as eleições em 2006. Hoje, o governo Tarso Genro parece que já reverteu a opinião da sociedade gaúcha. O maior problema são os baixos salários do funcionalismo, se for preciso déficit fiscal para pagar salários maiores, então conviva-se com o déficit. Parece que é o que o governo do PT fará mesmo.

Videversus - O que não deixa de ser a construção de outra parede do desastre, não é mesmo?
Mariza Abreu - Olha, assim como a inflação só foi enfrentada quando atingiu patamares altíssimos, desde o governo Olívio Dutra venho afirmando que o problema do Estado gaúcho somente será enfrentado quando a folha de pagamento atrasar alguns meses. Se é verdade que os salários dos servidores devem ser melhores, também é verdade que há problemas sérios de gestão, com servidores demais e mal distribuídos com baixa produtividade. Portanto, talvez só haja mudança quando faltar dinheiro para pagar salários e aposentadorias. E tem gente se diz que isso nunca vai acontecer, apostando em crescimento da arrecadação...

Videversus - Ou seja, é a política de comer a própria perna? Esse é o pensamente mágico da classe política, especialmente dos petistas no governo, é de esperar pela grana mágica dos royalties do petróleo para pagar o piso nacional do magistério?
Mariza Abreu - Para o pagamento do piso salarial nacional do magistério acho que não, porque não é possível esperar pelos royalties do petróleo. Mas, para o sufoco geral dos salários e aposentadorias futuras, aí acho que sim. Para o piso, não sei qual carta na manga o governador Tarso Genro tem ou pensa ter para pagar o piso no último ano do governo.

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