15 de mar. de 2012

Deu no Valor Econômico: Lula quis mudar a correção do piso

Artigo de Ribamar Oliveira, publicado hoje, 15 de março de 2012, quinta feira*

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou alterar a atual regra de correção anual do piso salarial dos professores, quando percebeu que ela criaria sérios problemas para o financiamento da educação. No mesmo mês em que sancionou a lei 11.738/2008, que regulamentou o piso salarial, Lula encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.776 propondo que o piso passasse a ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Por alguma razão, o ex-presidente preferiu não vetar a norma de reajuste previsto na lei 11.738, segundo a qual o piso deve ser atualizado utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo a ser gasto por aluno da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. Em vez de vetar, ele encaminhou o projeto de lei com a proposta de correção do piso pela variação do INPC e pediu urgência constitucional para a sua votação.

Quem acompanha o debate atual em torno do reajuste de 22,2% do piso salarial dos professores neste ano, precisa ler a exposição de motivos número 032, que acompanhou o Projeto de Lei 3.776. Nela, os então ministros interinos da Educação, José Henrique Paim Fernandes, e da Fazenda, Nelson Machado, advertiram Lula sobre o que aconteceria, no médio e longo prazo, se a regra de reajuste do piso prevista na lei 11.738 fosse mantida.

Governo avaliou que regra atual criaria sérios problemas

"O efeito da regra em vigor poderá acarretar uma elevação contínua da parcela correspondente aos gastos com a remuneração dos profissionais do magistério público nas despesas totais com educação básica, comprometendo no médio e longo prazo o financiamento de outros não menos importantes itens para a melhoria da qualidade da educação básica pública, tais como os dispêndios na manutenção e melhoria das instalações físicas das escolas, na aquisição de material de ensino, na universalização do uso da informática e do próprio aperfeiçoamento profissional dos professores", disseram os ministros na exposição de motivos.

Dito de uma forma mais direta: como os recursos para a educação não limitados, se as despesas com professores aumentarem muito, de forma continuada, faltará dinheiro para os demais investimentos na área, no médio e longo prazo. Lula concordou com essa argumentação e, tão logo sancionou a lei que criou o piso, encaminhou o projeto 3.776 à Câmara dos Deputados, alterando a forma de reajuste.

O projeto de Lula foi aprovado pelos deputados e enviado ao Senado, que alterou o texto e reintroduziu o critério de correção previsto na lei 11.738. O substitutivo aprovado no Senado retornou à Câmara em julho de 2010. No fim de novembro do ano passado, a Comissão de Finanças e Tributação aprovou, em caráter terminativo, o parecer do deputado José Guimarães (PT-CE), que rejeitou o substitutivo do Senado e preservou a proposta original de Lula.

O projeto original iria seguir para sanção da presidente Dilma Rousseff. Mas, no início de dezembro, a deputada Fátima Bezerra (PT-RN) apresentou recurso, subscrito por outros deputados, para que o parecer aprovado na Comissão de Finanças e Tributação fosse submetido ao plenário da Câmara. Com isso, o critério de correção previsto na lei 11.738 foi usado em 2012 e, agora, falta definir o destino da proposta de Lula.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, diz que já está ocorrendo aquilo que os dois ministros do ex-presidente Lula previram. "A maioria das prefeituras já está gastando apenas com professores os recursos que são obrigadas a investir em educação", afirmou. "Não está sobrando nada para os outros investimentos na área." Ziulkoski lembrou que o piso é estendido aos professores inativos.

O piso de R$ 1.451 a ser pago este ano aos professores criou um outro problema aos prefeitos, segundo Ziulkoski. "Se eles pagarem o piso, irão descumprir o limite de 54% da receita corrente líquida para gastos com pessoal na área do executivo municipal, definido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)", disse. Os prefeitos estariam, portanto, no dilema de cumprir a lei 11.738 ou a LRF. Mantida a atual regra de correção, o presidente da CNM disse que o reajuste previsto para 2013 será de 21,8%.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o piso é apenas a remuneração básica e que as gratificações incidem sobre ele. Antes, o entendimento era de que o piso abrangia toda a remuneração do professor. O presidente da CNM explicou que essa decisão do Supremo criou um passivo a ser pago pelos municípios de cerca de R$ 15 bilhões, pois ela terá ser aplicada de forma retroativa.

Mas não é só o problema do reajuste do piso que preocupa os prefeitos. A lei 11.738 estabeleceu que 1/3 da carga horária do professor será para atividades fora da sala de aula. Esse dispositivo, segundo Ziulkoski, implicará a necessidade de contratação de cerca de 300 mil novos professores pelas prefeituras.

Não há dúvida de que a valorização da atividade do magistério deve ser uma prioridade nacional. Mas é preciso que ela seja compatível com o equilíbrio das contas públicas e não crie dificuldades insuperáveis para as administrações estaduais e municipais.

*Repórter especial que escreve às quintas-feiras no Valor Econômico

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