2 de mar. de 2012

A volta dos orçamentos irreais

Artigo do economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, postado no Jornal Sul21 em 27 de fevereiro de 2012

Como é sabido, o Governo do Estado do RS apresenta um desequilíbrio estrutural em suas contas, que pode ser assim expresso:

De toda receita corrente, em torno de 2/3 (66%) está vinculada (carimbada) a certas finalidades, como transferências legais e constitucionais a municípios, pagamentos do acordo da dívida, educação, saúde, precatórios judiciais, entre outras.

Então, de cada 100 de receita corrente, “sobram” 34 para atender os demais compromissos, que somam em torno de 45, mesmo sem investimentos, faltando, com isso, cerca de 11. Nesses demais compromissos estão todas as secretarias e órgãos, a despesa com pessoal ativo e inativo e com pensionistas, exceto a da educação e da saúde, que têm receita vinculada, e outras despesas e encargos do Estado.

O problema é que, para eliminar esse déficit, necessita que ocorra uma arrecadação correspondente ao triplo de seu valor, devido às mesmas vinculações. E isso é praticamente impossível, por razões que o espaço não permite descrevê-las.

Em função desse desequilíbrio, não havia como fechar os orçamentos, que eram, então, inflados com receitas fictícias (como indenização pela construção de estradas federais) para que o déficit fosse “eliminado”.

No decorrer do exercício, uma parte da despesa não podia ser realizada, recaindo o corte em educação e saúde, onde as dotações orçamentárias haviam sido infladas para cumprir as vinculações, mesmo sabendo que não haveria recursos para honrá-las.

Foi a Governadora Yeda quem acabou com essa prática, colocando no orçamento somente aquilo para o que havia recursos suficientes para atender. E nisso recebeu uma crítica feroz da oposição da época, inclusive com ações na justiça, para que fosse retomado o modelo anterior. No final, acabou vencendo a nova sistemática e os orçamentos passaram a ser feitos com base em dados mais reais, procedimento esse que passou a ser adotado pelo governo que lhe sucedeu, que na oposição havia sido contra a essa metodologia.

E não foi essa sistemática que viabilizou o denominado “déficit zero”, como é afirmado. Mesmo que ele tenha sido obtido com cumprimento parcial das vinculações, governos anteriores também não as cumpriram e, mesmo assim, formavam um déficit anual superior a um bilhão de reais.

Eis que agora estamos na iminência da volta dos orçamentos irreais, porque a Lei Federal nº 141/2012, que regulamentou a aplicação de recursos em saúde pública, não permite mais a inclusão da despesa com inativos, nem as transferências ao IPE para atendimento da saúde dos servidores, entre outras exigências. Isso faz com que, na prática, a aplicação em saúde fosse para 15 ou 16%, em vez dos 12% legais.

Além disso, a mesma lei estipulou que, na elaboração das peças orçamentárias, devem ser observadas todas suas determinações, o que implica dizer que devem ser alocados todos os recursos nela previstos, mesmo que não haja margem no orçamento.

Além dos déficits escriturais, haverá déficits reais, porque o gasto de pessoal aumentará muito, até por pressão das corporações, a menos que as vinculações com saúde fiquem só no orçamento.

Na tentativa de reduzir os déficits, e não querendo mexer no plano de carreira, conforme determina a Lei Federal, o governo fez uma proposta de pagamento parcelado ao magistério, em que apenas em novembro de 2014 atingirá 87% do piso nacional de janeiro de 2012. O resultado disso será um pesado encargo para o Estado e, ainda, ficando longe de cumprir a lei do piso.

Com isso, está se potencializando um passivo trabalhista, que ficará para os governos seguintes, que pode em 2014, superar R$ 4 bilhões, mesmo sem considerar a correção monetária. Além disso, o próximo governo não terá margem para investimentos e nem para endividamento e, ainda, mesmo sem cumprir o piso do magistério, receberá a folha 12,3% maior, pelo efeito do reajuste concedido em novembro do ano anterior.

A grande saída será o crescimento da arrecadação num nível superior à média histórica, o que é uma hipótese pouco provável, diante do cenário econômico mundial e também estadual, em decorrência da seca.

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