31 de mar. de 2012

Financiamento da educação e piso dos professores

Post de Mariza Abreu, ex-secretária da Educação do Rio Grande do Sul

Interessante o artigo do professor Naércio Menezes Filho sobre o piso salarial nacional dos professores, publicado no Blog do CPP do Insper em 16 de março e divulgado no blog PSDB Finanças  (clique aqui  e leia o artigo na íntegra). 

Naércio é um estudioso do assunto e meu colega na Comissão Técnica do Movimento Todos pela Educação. Por isso mesmo, por compartilhar com ele a luta por uma política pública de valorização e melhoria da qualidade do ensino público, atrevo-me a favor alguns reparos.


Primeiro: Não são "as regras atuais do Fundeb" que determinam que Estados e Municípios tem que gastar 25% de suas receitas de impostos e transferências com educação. Isso está fixado na Constituição Federal, art. 212, com redação original de 1988:

"A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino."

Aliás, a vinculação constitucional de recursos para educação, que existira em textos constitucionais anteriores, fora reintroduzida na Constituição Federal pela conhecida Emenda Calmon, em 1983.

Segundo: Não há essa subvinculação de "60% desse montante para ser gasto com a educação básica".

Existe sim o Fundeb que é constituído em cada Unidade Federada do país por 20% dos seguintes impostos e transferências: FPE, FPM, IPI-Exp, ITR, ICMS, IPVA, ITCMD e Lei Kandir. Portanto, além dos recursos do Fundeb, ainda devem ser aplicados em educação 5% dessas receitas de impostos e 25% do IRRF e dos impostos municipais, a saber, IPTU, ISSQN e ITBI.

No caso dos Municípios, esses recursos, assim como os do Fundeb, somente podem ser aplicados em educação infantil e ensino fundamental, por força do disposto na LDB, art. 11, inciso V, com redação original de 1996:

"V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino."

Está correta a referência à subvinculação de recursos do Fundeb para gastos com salários dos professores em exercício. Isto consta da Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), art. 60, inciso XII, com redação dada pela Emenda Constitucional 53, de 2006, que instituiu o Fundeb (essa subvinvulação também existiu no Fundef, vigente de 1998 a 2006):

"XII - proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício."

Terceiro: Os recursos do Fundeb são redistribuídos não só entre as redes municipais de cada Estado, mas entre as redes municipais e a rede estadual, de acordo com a proporção do número dos seus alunos nas respectivas áreas de atuação prioritária, pelo disposto no ADCT, art. 60, inciso IV:

"IV - os recursos recebidos à conta dos Fundos instituídos nos termos do inciso I do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal;".

Ou seja, na educação infantil e ensino fundamental nos Municípios e no ensino fundamental e médio nos Estados, em suas diferentes modalidades de educação escolar.

Quarto: Há valores anuais por aluno, por nível e modalidade de educação escolar, em cada Unidade Federada e há um valor mínimo nacional. Quando o valor aluno/ano na UF não atinge o mínimo nacional é que ocorre complementação de recursos da União ao Fundeb estadual.

Entretanto, a partir de 2010, a complementação da União é fixada considerando-se a totalidade da contribuição de Estados, Distrito Federal e Municípios para o Fundeb:

"VII - a complementação da União de que trata o inciso V do caput deste artigo será de, no mínimo:
d) 10% (dez por cento) do total dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo, a partir do quarto ano de vigência dos Fundos;"

Portanto, não procede a afirmação de que "O valor do gasto mínimo por aluno, que deve ser seguido em todos os Estados e Municípios, é determinado pelo governo federal, que complementa os gastos de cada ente federativo até que esse valor seja atingido, transferindo recursos para os Estados e Municípios mais pobres. Assim, se o valor determinado pelo governo federal for alto demais, ele próprio terá que arcar com o ônus de transferir mais recursos." O que determina o valor da complementação da União para o Fundeb é a totalidade da contirbuição para o Fundo dos Estados, DF e Municípios.

Quinto: À medida que, após a fixação do primeiro valor do piso nacional para 2009, esse valor é reajustado com base no "percentual de crescimento do valor nacional por aluno/ano dos anos iniciais do ensino fundamental urbano do Fundeb (Lei 11.738, de 2008, art. 5º, parágrafo único), também não procede a afirmação de que "o salário pago por cada Município independe das suas receitas, ao contrário do Fundeb".

O problema não é esse, mas sim decorrente do fato de que o reajuste do piso não leva em conta o crescimento da receita do Fundeb e sim o crescimento do valor nacional aluno/ano dos anos iniciais do ensino fundamental urbano do Fundeb. Esse valor é resultado da divisão entre as receitas do Fundo e a matrícula nessa etapa da educação escolar, que é decrescente em função do chamado bônus demográfico.

Portanto, o crescimento do valor nacional aluno/ano dos anos iniciais do ensino fundamental urbano do Fundeb será sempre maior não só do que a inflação, mas também do que o crescimento das próprias receitas do Fundeb.

Por fim, a argumentação contrária ao piso nacional dos professores devido à variação do custo de vida no país poderia ser utilizada também contra o salário mínimo geral dos trabalhadores. Piso nacional deve ter valor possível de ser pago nas regiões de menor poder aquisitivo. O problema aqui novamente não é esse e sim o conceito de piso nacional, se remuneração mínima ou vencimento inicial das carreiras. Se vencimento inicial, é indexador de toda a folha de pagamento do magistério em cada Estado e Município brasileiros. Justamente o que a lei impede que ocorra com o salário mínimo.

Portanto, as soluções para as dificuldades de pagamento do piso nacional do magistério por vários Estados e Municípios são a mudança de regra de reajuste do valor do piso e, a médio prazo, a redefinição do conceito de piso nacional, de forma a adotá-lo como salário mínimo profissional. Entretanto, foi justamente essa conceituação que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional na ADI ajuizada pelos governadores do RS, SC, PR, MS e CE.

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